Nas últimas décadas, a lavagem de dinheiro tornou-se uma questão cada vez mais predominante. Tanto as instituições financeiras quanto os governos estão constantemente buscando novas maneiras de combatê-la, inclusive com a criação de diversas políticas para ajudar nesse esforço.
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, a lavagem de dinheiro responde por até 5% do PIB global: US$ 2 trilhões todos os anos. Já no Brasil, em 11 anos, uma rede composta por 58 laboratórios de tecnologia contra a lavagem de dinheiro – a Rede Lab-LD – identificou R$ 44,43 bilhões originados de atividades sob suspeita de irregularidades.
Muitos contadores não entendem completamente o quanto seus serviços são necessários para os processos de lavagem de dinheiro. Já pensou que a sua estrutura de contabilidade gerencial pode estar sendo usada para mascarar movimentos ilegais?
O assunto é sério e precisa da sua atenção. Quer entender todo o ecossistema que envolve a lavagem de dinheiro e saber como suas habilidades em perícia contábil podem evitar que você caia em um esquema desse tipo? Então, continue lendo o post.
Para compreender a lavagem de dinheiro
O dinheiro ‘sujo’ é ‘limpo’. Ele passa por bancos e empresas aparentemente legítimas, sendo usado comprar propriedades, empresas, carros caros e obras de arte, por exemplo. Qualquer coisa que possa ser vendida por dinheiro novo.
Uma das maneiras pelas quais os criminosos fazem isso é chamada de smurfing. Nesse método, um software especializado (geralmente comprado na deep ou dark web) é usado para organizar muitos depósitos bancários que escapam do radar. Por exemplo: uma transação de R$ 0,25 nunca será detectada por um ser humano, mas transações desse tipo podem lavar R$ 30 milhões se forem feitas centenas de milhões de vezes.
E sabia que até o Fortinite, popular jogo on-line com mais de 200 milhões de usuários, tem sido usado para lavar dinheiro? Uma investigação feita pelo jornal The Independent com empresa de cibersegurança Sixgill descobriu esquemas que envolvem cartões de crédito fraudados e compra e revenda de moedas virtuais do game, os chamados V-Bucks.
E o problema parece estar piorando, apesar dos regulamentos mais rígidos. Somente no Reino Unido, os relatórios de atividades suspeitas de crimes financeiros aumentaram 10% em 2018, de acordo com a Agência Nacional de Crimes.
Os governos estão fazendo a sua parte, inclusive utilizando a inteligência artificial (AI). Algoritmos especiais são capazes de processar milhões de dados em tempo real como e-mails, telefonemas, relatórios de despesas. Eles detectam padrões de comportamento que os humanos podem não notar. E vez que aprendem novos comportamentos,são capazes de detectar mais facilmente uma atividade desonesta.
A AI é uma ferramenta vital para identificar atividades suspeitas, sendo capaz de evitar casos como o do contador argentino preso em 2017 acusado de lavagem de dinheiro. Ex- assessor dos presidentes Néstor Kirchner e Cristina Kirchner, inclusive os políticos também estavam envolvidos.
E a legislação precisa acompanhar as últimas tendências em serviços financeiros que os criminosos podem explorar.
Conheça a legislação contra a lavagem de dinheiro
As leis que combatem a lavagem de dinheiro entraram na arena global logo após a criação do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), no final dos anos 1980. Esforço de diversas nações, foi o responsável pela criação da maioria dos padrões contra a lavagem de dinheiro, além de ter criado uma estrutura a ser seguida.
Depois de colocar esta estrutura em vigor, o GAFI começou a identificar os países que não possuíam legislação adequada em relação à lavagem de dinheiro. Essa tática ajudou a motivar as nações a alterar sua legislação e a começar a aplicar corretamente as políticas que já estavam em vigor. Atualmente, o grupo conta 37 membros, entre eles o Brasil.
No nosso país a lei original que trata do tema é a 9.613/98, que foi alterada pela 12.683/12. As penalidades previstas vão desde uma simples advertência a multas que podem atingir até R$20 milhões, isso sem contar a possibilidade de prisão.
E onde entra o contador? Quem regula sua responsabilidade é a resolução do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) nº 1.445/13. Seu objetivo é
“regulamentar a aplicação da lei para os profissionais e organizações contábeis, permitindo a eles que se protejam da utilização indevida de seus serviços para atos ilícitos que lhe possam gerar sanções penais previstas em lei, além dos riscos de imagem pela associação do seu nome a organizações criminosas”.
E a lei 9.613/98 é bem clara quanto o compromisso do contador em seu parágrafo único, inciso XIV:
“XIV – as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:
a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;
b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;
c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;
d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;
e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e
f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.”
A responsabilidade da contabilidade gerencial
Uma pesquisa feita pela pela Law Society conversou com 200 profissionais jurídicos e contábeis, com o objetivo de descobrir suas percepções sobre lavagem de dinheiro. A grande maioria dos profissionais entrevistados (97%) está preocupada em se tornar um alvo para os criminosos que procuram explorar, para fins escusos, suas habilidades profissionais e serviços.
Mas que uma coisa fique bem clara: não é função do contador investigar os seus clientes! Porém, se você ou alguém do seu time identificar qualquer movimentação suspeita, é necessário informar ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). E, então, esse órgão irá tomar as ações necessárias.
Caso isso não aconteça e as irregularidades sejam descobertas, sua empresa será envolvida no processo. E o que pode acontecer até sua inocência ser provada? Melhor nem pensar muito nisso.
Combater a lavagem de dinheiro é um esforço multidisciplinar entre bancos e agências governamentais – e porque não contadores? Você pode ajudar, veja como.
Aprenda a identificar a lavagem de dinheiro
Pode parecer um dilema moral expor ao Coaf as atitudes estranhas de um cliente. Afinal, você precisa zelar pelo sigilo das informações. Mas se essas movimentações forem alvo de investigações e o seu escritório for envolvido?
Os avanços digitais significam que os criminosos estão usando uma quantidade cada vez maior de maneiras de lavar seu dinheiro. Dessa forma, é essencial que você e seu time melhore a compreensão de onde estão as lacunas nos processos de prestação de contas.
Na prática é atuar como um verdadeiro perito contábil! Confira abaixo algumas dicas e sinais que mostram que algo está errado.
– Empresa de fachada: Seu cliente é um ‘laranja’, a empresa recebe pagamentos por serviços que não foram realizados, emitindo notas frias. Fique atento às movimentações de altos valores que não condizem com o tipo de atividade da companhia;
– Empréstimos: Imóveis, veículos, máquinas e outros bens sempre são comprados em quantidade anormal e por meio de empréstimos que são quitados com facilidade. Pense que o dinheiro ilícito é usado para saldar a dívida, se tornando legal. Você tem um cliente com esse perfil? Fique de olho;
– Compras altas em espécie: Você sabe bem que compras feitas com dinheiro não deixam rastros. E quando são caras com certeza levantam suspeitas, não é? Redobre a atenção caso isso aconteça sempre;
– Moedas virtuais: Outra maneira de ‘branquear’ recursos ilícitos é comprar dinheiro digital, as chamadas bitcoins. Hoje em dia não é tão comum que empresas façam esse tipo de transação, ainda mais em grande montantes, mas mesmo assim cuidado!
A lavagem de dinheiro é um problema globalizado e sem fronteiras, o que torna ainda mais complexo o seu enfrentamento. Mas você, como contador, pode fazer sua parte! Não compactue com este crime, oriente seu time e crie políticas de prevenção.
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